19 de dez. de 2007

Prefácio do livro

Por Evaldo Mocarzel.

No pantanoso terreno do preconceito e da discriminação, a grande vilã é quase sempre a falta de informação. Não estou me referindo a um tipo de informação fria e excessivamente segmentada, na mais gélida acepção científica do termo, mas a uma modalidade de informação sobretudo humanizada.


Nossa sociedade ainda é fortemente marcada por tantas segregações equivocadas porque somos todos carentes de informações humanizadas sobre os mais diferentes assuntos, entre eles, a doença de Alzheimer. E o preconceito, sublinhe-se, começa dentro de nossas casas.
Quando recebemos a notícia de que uma pessoa muito querida começa a apresentar os sintomas da doença de Alzheimer, a primeira sensação é uma espécie de luto. “Por que logo com a nossa família?”, é um questionamento constante. 


É como ser escolhido por uma loteria às avessas e, a partir daí, tem início uma autêntica via-crúcis de enganos e tropeços, de desesperos e tristezas, tudo tornado assim tão difícil por falta de informação humanizada, ou seja, um conhecimento científico mesclado a uma visão humanizada do assunto, respaldado por uma energia fundamental que rege a condição humana: a solidariedade. Aí tudo fica bem menos complicado, mais suportável. Monstros que não existem começam a ser dessacralizados e surge um alento, um alívio, uma esperança necessária no fim do túnel.


Informação humanizada, envolta em comovente solidariedade, meta e missão do livro “Alzheimer, a doença da Alma”, de Laura Botelho. Após o luto da notícia de que uma tia querida, já falecida, e a própria mãe sofriam da doença de Alzheimer, Laura, no meio de todo esse árduo processo, ainda perdeu o pai, mas foi à luta!

Ela reuniu informações de fontes diversas e escreveu esse livro que foi uma tentativa extremamente bem-sucedida de universalizar o conhecimento que foi coletando no decurso desse período tão difícil. Mais: Laura não quis guardar todas essas informações preciosas somente para ela e para a própria família. Ela queria passar adiante, torná-las acessíveis para um número grande de pessoas para que não enfrentassem a mesma falta de conhecimento que teve de superar. Esse livro é fruto de um gesto muito digno, louvável, sobretudo generoso e solidário.

No Brasil, segundo Laura nos informa, existem 16 milhões de pessoas com mais de 60 anos, sendo que 6% apresentam a doença de Alzheimer, quase 1 milhão de pessoas, segundo dados da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz). E a carência de informação é imensa. Famílias, médicos, advogados, enfim, a falta de conhecimento da maioria quase absoluta da nossa sociedade é mesmo muito grande.

Alzheimer, a doença da alma”, o livro de Laura Botelho, é uma espécie de bálsamo, um antídoto contra essa ignorância generalizada. Laura dá dicas muito valiosas de como lidar com os primeiros sintomas, a irritação e a falta de memória do idoso com a doença de Alzheimer, o desespero de toda a família, narrando com uma sinceridade comovente o calvário que foi para ela e os irmãos lidar com o problema quando ele desabou sobre o dia-a-dia de sua família.

O livro de Laura é um horizonte esclarecedor que reúne desde medidas de prevenção contra as possíveis quedas dos idosos até maneiras clarividentes e generosas de se lidar com os problemas que afetam as pessoas com Alzheimer, a sensação de perda, insônia, medo da noite, agitação, agressividade, também apatia, sonolência, suor excessivo, às vezes convulsões, angústia, dor, abandono, além dos riscos da desintegração familiar que são sempre iminentes nesses momentos de crise aguda.

Em seu livro, Laura vai nos conscientizando de que é preciso ter paciência, esfriar a cabeça, ausentar-se de quando em quando, e que o que está provocando aquilo tudo não é o idoso, mas a doença de Alzheimer. Laura nos ensina como poupar os chamados “cuidadores”, que são as pessoas que cuidam dos idosos, os “anjos da guarda”. Ela dá dicas abrangentes que vão da escolha de roupas de fácil manuseio para os idosos, com velcro e elástico, até esclarecimentos sobre questões jurídicas, interdição de pessoas com Alzheimer, aposentadoria por invalidez e a Lei do Idoso, passando por uma lista de centros de referência em nosso País.

Mas seu livro é muito mais do que todas essas qualidades reunidas: é um libelo contra a intolerância, respaldada pela falta de informação; uma fonte de solidariedade para que as famílias possam se unir, se fortalecer e atenuar, às vezes com música, o implacável avanço dos sintomas e suas complicações.

Laura não perdeu as esperanças e ainda vislumbra, num futuro não muito distante, uma vacina contra essa doença da alma, como ela mesma diz. Seu exemplo é uma prova de que nós, seres humanos, encontramos uma grandeza infinita na dor, e justamente por isso nos tornamos pessoas melhores, mais depuradas, mais solidárias. E isso nos caracteriza como seres humanos e nos diferencia dos outros animais.

Não estou pregando o culto da dor, mas ela nos melhora, com toda certeza, e essa sensação de aprimoramento talvez possa ser um grande alívio para a nossa própria dor de existir, principalmente em seus momentos de paroxismo mais difíceis e pungentes. Há sempre esperança, momentos de alívio e de transcendência musical, e também é isso que nos ensina esse necessário livro de Laura Botelho, um estudo sincero e tocante sobre a condição humana.


Cérebro de alguém com Alzheimer - Direito

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